natthi rāgasamo aggi natthi dosasamo gaho
natthi mohasamaṃ jālaṃ natthi taṇhāsamā nadī
natthi mohasamaṃ jālaṃ natthi taṇhāsamā nadī
Não há fogo como a paixão (rāga), não há armadilha como a aversão (dosa);
não há rede como a delusão (moha), não há rio como a sede (taṇhā).
rāga, dosa e moha são conhecidos como as três raízes do "mau" (akusalamūla), que são extintas com o sopro do nibbāna (nirvāṇa), as três raízes que são desenraizadas com o nibbāna. O símile é bem vívido: quem lembra da preocupação do Pequeno Príncipe em arrancar os mudinhas inocentes de baobá? "[...] atravanca todo o planeta. Perfura-o com suas raízes. E se o planeta é pequeno e os baobás numerosos, o planeta acaba rachando". Ao se preocupar em tirar as mudinhas inocentes de baobás todas as manhãs, o principezito evitava de ter de contratar uma retroescavadeira amanhã - por bons motivos, até hoje ninguém viu uma retroescavadeira sendo carregada por pássaros.
Mas sim, senhor acadêmico, usei "mau" entre "aspas" para chamar a atenção: a palavra akusala é a palavra usada aqui, e ela tem um significado mais sutil, como todas as palavras em páli aqui presentes.
kusala e akusala, "bom" e "mau", podem ser traduzidas assim se temos em vista a ética do budismo, e o que seria "bom" e "mau" visto desta forma. Como, porém, a ética do budismo não é um conjunto de regras fáceis e está pautada em um treinamento e experiência, uma tradução adequada, usada frequentemente, é "hábil" e "inábil", tendo em vista o dhamma (dharma). Outra tradução também utilizada é "saudável" (wholesome) e "nocivo" (unwholesome).
akusalamūla são, então, as raízes das ações inábeis ou nocivas, que encontrando o solo certo - o momento certo e as condições certas - podem gerar seus frutos, ou não.
Em outro verso famoso do páli, temos:
Sabbapāpassa akaraṇaṃ kusalassa upasampadā
Sacittapariyodapanaṃ etaṃ buddhāna sāsanaṃ.
Não fazer o mal, recolher/trazer/adquirir o bom/saudável/hábil,
limpar a própria mente, eis o ensinamento de buddhas.
(Todos os termos em páli devem ser lidos com um grão de sal. É comum que traduzamos um termo em páli, o dialeto em que os sutras budistas foram transcritos, e nos apeguemos a esta tradução. Siddhartha era um jovem xátria, que depois de sair de casa estudou com os samanas mais conhecidos de sua época, e não é de estranhar que seu vocabulário tenha emprestado praticamente tudo do vocabulário usado na época, pelo vedismo e pelas escolas āstika hindus, a Yoga inclusive.
Ao procurar no sânscrito, porém, a história de uma palavra, temos que tomar cuidado. O uso das palavras muda constantemente, e o páli não é uma continuação do sânscrito, ou um sânscrito com mudanças fonéticas, ou um sânscrito adaptado, ou mais popular; é uma forma escrita de um prácrito, uma das várias formas concorrentes de falar que eram usadas na época, assim como até hoje não há uma só língua na Índia. É possível que o idioma que o Buda falava fosse sequer o páli, mas sim um dos prácritos existentes então, o maghadi, do reino do rei Bimbisara.)
[continua...]
O pior é que mesmo a língua original não é suficiente...
ResponderExcluirSuficiente para quê?
ResponderExcluirPor exemplo, para isso que você mesmo citou:
ResponderExcluir"Ou alguém pode me explicar, com clareza e satisfação, de modo que eu possa ter uma compreensão racional vívida e clara, para que eu possa seguir o exemplo, do que seja o "caminho do meio"? Quero uma fala vívida e clara, idêntica a si mesma, sem espaço para contradições, do que seria cada um dos eixos do caminho óctuplo."