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terça-feira, 24 de maio de 2011

Além da dor

Quem quer passar além do Bojador,
Tem que passar além da dor.

Ir além de: precisamos de uma clarificação. No nosso andar cotidiano passamos pelas coisas - e as deixamos para trás. As coisas "aproximam-se" e "distanciam-se". Neste aproximar e distanciar, algumas vezes dizemos que vamos "além de" algo. Ultra-passamos, trans-passamos, "para"-passamos. Deixamos para trás; nós e as coisas estamos "além".

A dor também é algo que se nos aproxima e distancia. Podemos sentir a sua aproximação e dela nos refugiar, abrigar, proteger. Sentados peri-imóveis, vemos a sua aproximação. A mão de ferro da dor nos comprime, devagar mas sem hesitação: é decidida, não duvida. Nos deixamos ficar tensos na compressão deste amplexo.

Assim estamos, então, sentados e em dor. A dor está presente: aproximou-se, porém não se distancia. Diferindo de um ponto pelo qual passamos e deixamos "para trás", a dor permanece. Se desistimos do nosso sentar, evitamos a dor - nos abrigamos dela. Mas assim vamos para além dela? Não; somente a anulamos como possibilidade de ser. Ela torna a ser quando as condições estão postas. Torna-se claro que ir além da dor, então, não é dela se distanciar como algo no mundo, como o seria ir além da árvore na esquina. "Ir além" da dor é ultrapassa-la incluindo-a.

Ultrapassar incluindo é como virar a luz da vela para iluminar a chama.

Ao sentar, sentimos a dor. Ela continua existindo, como dor, mesmo quando vamos "para além" dela. Não nos tornamos insensíveis, dela, como dor; não fugimos. Lá - aqui - ela está e continua.

É preciso a aguda e perfurante determinação para ir além da dor; é preciso uma cálida paciência para aprender a soltar, relaxando, nosso corpo da gélida mão pétrea da dor. É por isto que ir além da dor sempre foi descrito em tons heroicos; determinação e "coragem" são a marca do herói - força de leão, olhar de águia. Fora isto, ir além da dor não tem precisamente nada de heroico; é simplesmente a pura determinação de vivenciar o shikantaza em sua simplicidade.

*****

O melhor a fazer, com relação a dor durante o zazen, é: vá um pouco além do ponto que você costuma aguentar. Depois, simplesmente troque de posição, se preciso. Ficar com a dor "heroicamente" deve ser uma escolha, e não uma obrigação. Não faça mal a si mesmo, a dor é um bom sinal de algo que não está tão bem assim.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Pequena nota sobre Hakuin

Acho que era mesmo Hakuin. Quando criança, ele escutou uma palestra do pessoal do Nichiren sobre os "infernos" - não parece alguns padres católicos? - e ficou morrendo de medo. Mal conseguia dormir de noite, durante alguns dias. Perguntou pra sua mãe o que poderia fazer para não ir parar no inferno, e ela respondeu que ele deveria prestar devoção para um deus xintoísta lá.

Então Hakuin vira monge aos 14 por causa do medo do inferno, pensando que um monge/sacerdote poderia escapar dos "fogos do inferno". O que só piora quando ele descobre, com 18, que um mestre zen chinês, Ganto Zenkatsu, foi morto por bandidos, e que seu grito pode ser ouvido por muitos quilômetros. Até mesmo Ganto, talvez santo - péssimo trocadilho - podia ser morto cruelmente por bandidos. Como ele, Hakuin, poderia então escapar do inferno?

(Más notícias para ele: Nagarjuna também foi esfaqueado e morreu. Os discípulos dele queriam saber quem tinha feito isto, e Nagarjuna se recusou a dizer quem foi.)

Muita coisa de Hakuin nesta página.

Aliás, eu de vez em quando penso (um gedankenexperiment): se, "na pior das hipóteses", existe um inferno - um lugar de sofrimento e dores intermináveis, ou pelo menos de duração muuuuuuuuuuito longa, em algum momento a dor seria nossa vida cotidiana, e talvez aprenderíamos a viver com ela - existe um limiar de dor, você não sabia? A não ser, é claro, que o genie malin fosse esperto o suficiente para saber que o pior inferno é aquele que modula dores e falta de dores, para lembrar que a dor existe e é forte (lembra Freud e o conceito de prazer/desprazer como simples diferença de "tensão"). Mas, se for assim, talvez já estejamos nele, e até mesmo banhos quentes e barrigas cheias podem ser provações terríveis.