Não, não estou falando de amores com um tenzo ou uma tenza, cortando cenouras à luz do luar. Conversava, isto sim, com um amigo, que me dizia do nosso próximo apascentamento da mente, sesshin, no meio de outubro, na já conhecida sede dos Baha'i. Sesshin neste lugar implica, automaticamente, em duas coisas: aranhas perigosíssimas nos quartos (aquelas marronzinhas), e comida feita por nós.
Este é algo que eu sempre sinto falta, quando ele não está presente. Em alguns lugares nos quais fizemos sesshin a comida era feita pelo pessoal da casa, e a cozinha ficava com eles também. Ajudávamos a arrumar as coisas, e nossos detalhezinhos ficavam por nossa conta, mas a maior parte do trabalho - preparação, cardápio, sobras, ingredientes, arrumação - eram eles quem faziam. E faziam bem: a comida sempre foi muito boa, nada do que reclamar, a não ser um arroz mal-cozido quando em vez.
Mas... não sei, pode ser besteira minha; a cozinha, porém, é vital. Um sesshin que também implica a cozinha - e tenzo, jonin, etc - fica mais redondinho. Por uma razão muito simples: a relação outros e nós mesmos.
Nós não vamos a um sesshin apenas para sentar em zazen, e por lá ficar. O sesshin é um momento de concentração, de reunião, da mente/coração. Isto implica um momento em que nos damos ao luxo de poder somente fazer zazen, claro, mas também implica outra coisa: trazer todas as nossas atividades para dentro desta reunião, e trazer todas as pessoas para dentro desta reunião. O fulano que não está fazendo zazen pois está lá embaixo, cortando cenouras, está praticando conosco. Ele teve de se levantar, enquanto os outros continuavam o seu zazen, para cortar cenouras - e cortar cenouras "como se fossem os seus próprios olhos", como dizia Dōgen, a respeito do cuidado a ter com os instrumentos e ingredientes.
E, é claro, tal fulano pode adorar isto e rezar para ser chamado para ser jonin. Isto não tem importância, há momentos de ser jonin, há momentos de reza, há momentos de zazen.
Não se trata da comida. Algumas comidas, evidentemente, são melhores para passar horas sentado-no-mesmo-lugar que outras. Sobremesas superdoces são terríveis para gente magra como eu. O pessoal no Busshinji comia uma quantidade que me faz passar mal mais de uma vez, quando eu fui jonin e não podia escolher o tamanho da minha porção. Os cinco sabores e cores devem estar presentes, e tudo e tal, mas comemos papa de aveia, se preciso. Água quente, se preciso. Sucrilhos com casca de ovo. Feijão com garapa. Risoto de jabuticaba.
Não é a toa que o trabalho da cozinha exige que o tenzo seja um dos seis cargos mais "importantes" de um mosteiro, e seja dado a um praticamente mais comprometido, ou um mestre, quando o há. Simplesmente não me soa "bom" ver a cozinha como apenas um lugar para cozinhar as coisas, para dar comida aos praticantes que estão no honorável zazen. A segunda parte é hábil, e deve ser a mente de um tenzo ("afinal, não é maravilhoso poder dedicar o que cozinhamos a verdadeiros praticantes do caminho?" - "é como se estívessemos oferecendo comida a todos o budas, patriarcas e seres"); mas a primeira não me parece. É colocar o zazen como um "fim" que deve ser atendido por um "meio" - cozinha, banheiros, almofadas, camas; uma distinção desnecessária.
Cozinhar nós mesmos nossa própria comida nos ajuda a lembrar disto. E, quando outrem o faz, nós comemos agradecidamente, (tentando compreender) compreendendo o vazio das Três Rodas: quem dá, quem recebe e a própria oferenda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário