quarta-feira, 29 de abril de 2009

Para você...

O zazen, ele é bom para quê? Para absolutamente nada! Este “bom para nada” deve penetrar na sua carne e nos seus ossos, até que você esteja verdadeiramente praticando o que é bom para nada. Até este momento, seu zazen é realmente bom para nada.

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Se não tomar cuidado, você gastará toda a sua vida fazendo nada, a não ser esperar que as suas expectativas de pessoa normal sejam realizadas um dia.

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Você quer tornar-se um buddha? Não há necessidade de tornar-se buddha! Agora é simplesmente agora. Você é simplesmente você. E me diga: já que você quer ir embora do lugar em que se encontra, para onde, exatamente, você quer ir?

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Acima, exemplos da conhecida verve de Kodo Sawaki roshi.

Em breve, disponibilizarei a tradução em português dos textos do Sawaki que estão disponíveis no maravilhoso çaite de Antaiji, o "templo da paz" (com autorização). Quem quiser conferir no inglês (ou japonês, ou italiano, ou francês...) dá uma olhada. Preciso apenas dar uma revisada em tudo e tornar a coisa mais palatável. Não estou com pressa, até porque não estou com muito tempo.

sábado, 25 de abril de 2009

Plena Atenção

Quando "plena atenção" não é mais um conceito, a "plena atenção" existe, é "transmitida" e praticada.

Quando a /plena atenção/ é um conceito, ela pode ser imaginada, idealizada, e pode dar margem a pensamentos e fantasias diversos, e a diversas modificações e versões e perversões.

O blábláblá sobre viver no momento não passa de blábláblá; o zen at war e o uso da /plena atenção/ para facilitar a morte e a covardia das pessoas é um bom exemplo, além da idéia corrente de que praticar a "plena atenção" é apagar tudo da "cabeça", inclusive o desejo.

Ora, se for este o objetivo, não ter mais desejos e pensamentos, isto acontecerá, um dia ou outro - a morte virá, e, caso o azar de você-mesmo ter "reencarnado" ocorra, bem, a morte virá novamente. O sol vai virar gigante-vermelha, os oceanos ferverão lentamente, Madonna não mais "cantará" Hung Up, o universo como-o-conhecemos vai rachar ou romper ou ruminar ou regredir, talvez outro surja, talvez já tenha surgido, talvez nunca mais.

Vê? Tal peso já foi tirado dos seus ombros. Você já está, de antemão, morto. Não se preocupe com isto.

É este momento que não existe, no final das contas, cortado de um "antes" e "depois", que é o corte da lâmina que corta em um. Não é necessário fazer nada com ele, mas tendo você presciência de que tais "momentos" se repetirão durante "toda uma vida", a pergunta "o que fazer?" nada mais é que natural. E é a primeira pergunta que um "budista" - ou qualquer pessoa razoável - pode fazer, e comumente se faz: "o que fazer com este momento?"

E é então que toda a confusão começa.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Forma e formalidade

Agora, com o negocinho de tradução aí do lado, todos podem ler este blogue... ou pelo menos a esdrúxula tradução automática. Mas é uma boa ferramenta: todos podem sugerir traduções melhores.

Estou tentando escrever, por uma semana, sobre uma espécie de koan que me foi apresentado semana passada. Sem sucesso. Koan, caso público, aviso oficial: foi bem público, pois estávamos dois na porta da comunidade, mas nada oficial, muito menos formal.


Falando em formalidade, vou juntar dois posts em um: Warner de um lado, falando da arbitrariedade das "regras" e formalidades na prática zen - um bom lembrete! - e Genshô falando que as árvores juntas crescem retas: a prática conjunta na sangha tira as nossas casquinhas, arrozes que somos nozes.

Pois bem, sempre que aparece gente nova pode-se perceber se ela está confortável ou desconfortável com algumas coisas na prática em um zendô. Tem gente que não liga, e simplesmente faz as coisas, e tem gente que fica meio que olhando de lado, desconfiada. Não tem problema. Eu também sou desconfiado.

Criei até o hábito de, saindo do zendô, dizer "agora é sem formalidade, podem ficar à vontade". Se eu não faço isso, a maioria das pessoas novas fica imóvel em seus banquinhos de plástico, e podem até mesmo esquecer de respirar - o que não é recomendável, enquanto vivo.

E não é raro que alguém pergunte pelo "significado" de algumas das formalidades do zen. E, sinceramente, eu não posso responder de plena certeza. Não posso dizer que pouco importa a mão direita ou esquerda em cima da outra no zazen, não posso dizer que não há uma questão energética hindu-ióguica sobre as posições, se há uma ressonância antiquíssima da conjunção de ida e pingala ao colocar a ponta da língua acima dos dentes da frente... não sei, não posso dizer.

Só posso responder, neste caso, pelo que ouvi, vi, li e experimentei. E digo: independente de tudo isso que possa ser, eis como as coisas são agora.

Tem coisas que eu creio que não possam ser tão arbitrárias. A postura do zazen, por exemplo, é uma delas. Eu realmente imagino que sentar-se de pernas cruzadas com a coluna reta é uma excelente postura, com seus próprios méritos. Se o pé ou mão esquerdo ou direito fica por cima ou por baixo, dou crédito para Dogen e sigo suas instruções. Mas o abade Muho, por exemplo, coloca questões interessantes e diz que pode-se alternar a posição das mãos e pés.

No kinhin, a postura das mãos da escola soto é diferente da escola rinzai. Quem vem zazenar com a gente, é postura soto.

Agora, se faz uma diferença, digamos, "metafísica" girar pela esquerda ao sentar, ou andar em shashu com o ombro direito pro centro, ou não passar na frente do altar, ou a maneira de segurar tigelas e talheres e arrumar o oryoki... não sei. Chuto que não.

Faz a diferença, porém, como Warner coloca, que se eu giro pra esquerda e meu colega gira pra direita podemos nos bater. Se alguém caminha na direção contrária, os outros tem de ficar desviando. Nas refeições formais, come-se junto, e é importante seguir os outros para isto.

São regras "arbitrárias" no sentido de que elas poderiam muito bem ser diferentes. A palavra arbitrário, aqui, serve-nos mais ou menos como serve aos linguistas. Nos tempos modernos a idéia de que uma palavra é, de certo modo, a coisa, caiu. As palavras - os significantes - são arbitrários com relação ao significado. A palavra "vinho" não tem nenhuma relação metafísica com o vinho-em-si, com uma "vinheidade". Tem, sim, uma história etimológica, um uso cultural, e uma série de significados que comporta. Podemos falar do vinho de outras formas, e podemos usar /vinho/ para outras coisas.

E ninguém questiona muito o porquê de usarmos /vinho/ para o vinho. Todo mundo - ou quase todo mundo - está de acordo sobre isto. Mas se passássemos a fazer parte da comunidade linguística que fala mandarim, o significante mudaria - e talvez um tanto o significado. Eis o que quer dizer arbitrário.

A forma do zen também tem sua história, também carrega significados, e como qualquer língua também pode mudar. Se os humanos de daqui três milênios tiverem dois braços e meio, próteses biomecânicas e anuladores de inércia como fonte de movimento, até a postura do zazen terá de mudar. Até lá, porém, recebamos a forma de quem a pratica e pratiquemos juntos.

Isso tudo é somente um bom lembrete porque os praticantes zen têm a tendência de ficar muito idealistas. Freud já apontava que existe uma proximidade muito grande entre os rituais religiosos e a neurose obsessiva. Para um hipotético visitante que dissesse que a forma é arbitrária e, portanto, pode ser de qualquer forma, eu diria "não" e o mostraria como andar em shashu com o ombro direito voltado para o centro da sala.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Zazenkai com aikido

Dia 26 de abril, um domingo, teremos um zazenkai.

Zazenkai é uma espécie de mini-sesshin, um dia de prática intensiva de zazen, com refeições "formais" (ōryōki) e enfins.

Este zazenkai, porém, reserva-nos algo de novo: práticas de aikido, que provavelmente serão dadas pelo sensei Carlos, do Kawai Shihan Dojo, aqui de Florianópolis - ou pelo sensei Altair, disto ainda não tenho certeza.

Está ao lado o cartaz do evento e espalhem para quem tiver interesse! As vagas são poucas, infelizmente. O valor é de 30 reais: as refeições estão inclusas.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sobre abate de animais

Temple Grandin é doutora em ciências animais, propõe uma forma mais digna no abate de animais para consumo de carne, e é autista. Conhecida por ser o sétimo caso no maravilhoso livro de Oliver Sacks, Um Antropólogo em Marte - cujo título é uma expressão de Temple, referindo-se como ela se sente com relação às "outras pessoas" - Temple é uma mulher inspiradora: tanto na sua história com autismo, tanto no seu esforço para, a partir de uma percepção diferente dos animais, sugerir e trabalhar em formas menos cruéis de abate. É uma perspectiva que pode não ser ideal, para todos aqueles que querem um "mundo sem matança"; mas, como tal mundo é um ideal - e por muito tempo continuará sendo - é gente como Temple que faz o conjunto de pequenas diferenças que realmente fazem a diferença.

Os trechos do livro do Oliver, que estão lá no outro blog - para não aumentar a quantidade de informação e de entropia no universo - focam-se mais na questão do abate de animais, e no trabalho de Temple. O texto completo é muito mais interessante, como Oliver Sacks reiteradamente os faz ser. Dê uma olhada!

quarta-feira, 8 de abril de 2009


"Zen é mente-una. Não é necessário tentar não pensar. Está tudo bem em deixar a sua mente ser como é. O koan do monge e da jovem mulher é a história de uma relação entre perceber outra pessoa porque percebemos nós mesmos. Se fosse somente um desejo em que você quisesse outra pessoa, então a outra pessoa não seria necessária. Você também não seria necessário. Se somente houvesse este desejo, então ele desaparecia, uma hora ou outra. Quando você senta em zazen muitos pensamentos aparecem e desaparecem, aparecem e desaparecem. É a mesma coisa. Este koan não está te pedindo para responder qual a melhor forma do monge responder à mulher. Ele traz à tona a mente questionadora, a consciência do problema, e nos lembra que estamos envolvidos com as nossas percepções. "Quero estar próximo dela, quero ser seu amigo", o pensamento de que esta idéia não é boa e que você deve se livrar dela é uma percepção que surge porque você percebe outra pessoa.

(....)

"Vocês estão vendo o rosto de Kogaku Ishigawa (eu [o palestrante]). Mas, quando eu vejo a mim mesmo como Kogaku, eu vejo sem perceber eu mesmo. O monge tentou fazer algo sobre o "eu" que suscitou o desejo pela jovem mulher. Ele está somente tentando se tranformar em um "penhasco frio" de propósito. Em lugar algum há um "eu" que deva fazer algo. Há somente o desejo. Há sofrimento como somente sofrimento, prazer como somente prazer, desejo como somente desejo - isto quer dizer que não é possível que seus julgamentos de valor e preferências possam entrar.

"Tornar clara a nossa condição, agora, sabê-la claramente, é Zen. O fato, agora, de ter suscitado o desejo pela mulher é algo que surgiu por meio de condições. Os fatos que surgem e desaparecem por meio de condições não são manipulados por meio de pensamentos [humanos], nem são algo que nós escolhemos. Não se pode duvidar disto. É porque nós duvidamos que [então] sofremos, pensando: "devo pegar ou devo rejeitar [isto]?" Este tipo de dúvida surge por meio dos nossos julgamentos de valor sobre as condições deste momento.

"As pessoas não podem fazer nada sobre o desejo que surge por causa de condições. Estaria, então, tudo bem em simplesmente deixar a função do desejo ser tal qual é. Mas, porém, a consciência humana não pode fazer isto, e tenta funcionar. O resultado da condição de ser abraçado pela [jovem] mulher é que o desejo surge. Se você tornar-se um com o desejo, então, ele desaparecerá. Isto não é trazer o fato para perto, ou empurrá-lo para longe. Mesmo que você pense em agarrá-lo, ele naturalmente desaparecerá quando a condição desaparecer. Não importa quão desejável uma mulher pode ser, ela não servirá para sempre. É a mesma coisa.

"Também não se trata de mudar as condições de nascimento, morte, velhice e doença nas nossas vidas, de acordo com as nossas próprias preferências."

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Traduções


As traduções brasileiras de textos do zen deixam muito, muito a desejar. Neste, e nos próximos textos, eu vou esclarecer o porquê.

Em muitas delas, eu somente posso acompanhar o processo da metade para a frente: do japonês, que não entendo, ele vai para o francês ou inglês, digamos, e depois é retraduzido para o português - e é neste segundo passo que consigo perceber a inépcia, em muitos casos. Fico imaginando as barbáries que podem acontecer nas primeiras traduções "oriente-ocidente" e temo e tremo.

Eu brinco, evidentemente. Costumo partir do pressuposto que os tradutores são pessoas que desejam traduzir o texto e possuem, além de um certo conhecimento formal do processo, uma idéia do que o texto fala, para o momento - que certamente aparecerá - em que o tradutor escreverá algo de seu, por não poder traduzir sem trair.

A questão é que más traduções podem, muitas vezes, ser bem menos desejáveis do que texto nenhum. Para quem tem paciência de encarar o texto supostamente mal-traduzido e quiser pesquisar e saber mais, há, pelo menos, um pouco de tesão e divertimento no meio. É, divertimento intelectual, pode soar estranho mas há. Mas para aqueles que querem ler, pura e simplesmente, e ter acesso ao que um mestre do zen disse, ou deixou de dizer, pode ser um grande impedimento.

Penso especialmente em Dogen. Dogen é um escritor fabuloso, do pouco que pude captar, de um estilo único e delicioso que interessaria, em alguns casos, até mesmo a quem não quer ouvir falar de budismo ou zen. Textos claros e simples, escritos para discípulos, leigos ou não, misturam-se com trechos de poesia e técnica e visão assustadoramente modernas, e dez páginas adiante você pode encontrar uma confissão no melhor estilo augustiniano, para então, em outro lugar, ver instruções detalhadamente obsessivas sobre como escovar os dentes e demais quetais de um mosteiro.

(continua...)