terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sobre não-eu/anatta


Vou começar a me aventurar um pouco, falando sobre a questão do não-eu, ou não-self.

Por que "me aventurar"? Estou, pois, me aventurando: embora não-eu seja um dos três selos da existência condicionada, segundo o buddhismo, o Buddha não falou - e não não-falou - que o eu/self não "existe".

Aliás, este é um ponto que deveria ficar ainda mais claro, quando começamos a falar de buddhismo.

Diz-se, de maneira geral, que o Buddha respondia a perguntas de quatro maneiras diferentes: com uma afirmação ou uma negação; com uma explicação; com uma clarificação dos conceitos usados na pergunta; com um silêncio.

No único momento em que alguém pergunta, diretamente, para o Buddha - no cânon pali - se o eu (self) existe, Buddha silencia. Então Vacchagotta pergunta se ele não existe; outro silêncio. (Me admira que ele não tenha continuado o tetralema, como era de hábito. É tão divertido.) Na resposta para Ananda, que, como sempre, questiona o porquê dela, Buddha diz que se respondesse que sim, iria pro lado dos eternalistas, negando então o "conhecimento" de que todos os fenômenos são não-eu. Se respondesse que não, iria para o lado dos niilistas, e o "confuso" Vacchagotta ficaria ainda mais confuso: "quer dizer que o eu que eu tinha antes não existe mais agora?"

Quer dizer, mais um exemplo de upaya, meios hábeis, do que uma resposta filosófica.

O ponto a ficar claro é que explicitamente o Buddha dizia que o Tathagata estava além de conceitos e idéias, e que a "verdade" que ele proclamava era a da liberação do sofrimento/insatisfatoriedade - nibbana/nirvana. As maneiras de responder as perguntas estão relacionadas diretamente com este ponto: são úteis ou hábeis para "remover" as raízes da ignorância, do apego e da aversão. O símile da flecha coloca isto de maneira bem clara.

Ou seja, a "verdade" proclamada pelo Buddha não era uma verdade "positiva", como poderíamos dizer, ou uma verdade que dissesse "isto é, isto não é" - no sentido metafísico.

Percebemos, contudo, que não-self - anatta/anatman - é um tema recorrente, não somente nos sutras buddhistas, mas também na prática nossa de cada dia. É a linha de corte mais estrita que separa o Buddha de todos os seus contemporâneos, é um ponto para o qual a prática se orienta, e é um ensinamento fundamental do Buddhismo.

Os cinco agregados - corpo e mente - são condicionados e impermanentes, e toda vez que nos referimos a um eu estamos nos referindo, em verdade, aos agregados. A ignorância básica é de propor um eu estável e permanente em algo que não o é. Portanto, o que vemos como nós mesmos está mais para o lado de um mal-ver ou não-ver (avijjā/avidyā, ignorância) do que a percepção de algo que "realmente é".

Esta questão do não-eu é para onde eu gostaria de voltar mais vezes; ela é premente, presente, e por este motivo pode ser enganadora e não tão útil assim - para não dizer prejudicial.

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