Passando um tempo em São Paulo, vê-se de perto - mais fortemente do que em uma cidade como Florianópolis - que a vida cotidiana nada tem de utópica ou ideal - no sentido de ser baseada em um ideal.
E que isto, talvez, não seja grande problema.
Problema - mesmo pequeno - é aquele que acomete todos aqueles que começam a praticar alguma coisa que carrega, em seu discurso, uma certa dose de idealismo: as pessoas começam a acreditar muito nele. Acreditar em um ideal não é, em si mesmo, grande mal, e todos sabemos o quanto perder um ideal - um direcionamento, uma expectativa em relação ao futuro - pode abalar as pessoas. Então é melhor que fiquem, os ideais e expectativas. Temperados com um pouco de realismo, esperamos.
Na prática do zen este problema pode ter um nomezinho específico: a doença do zen. Terrível, terrível, e o mais terrível dela é que, como toda boa doença que se preze, o diagnóstico só pode ser feito de fora: o tal indivíduo não percebe. Praticar zen e zazen não é garantia que alguém não vá ser preconceituoso ou raivoso; não é garantia de saber mais que os outros; não é garantia de sabedoria. Infelizmente, não dispomos desta garantia.
Quem é acometido pela doença do zen passa a acreditar demasiado nas palavras do zen e do budismo, e a sutilmente fazer distinções no mundo. Desde os casos mais patentes em que alguém acha que está fazendo a melhor coisa do mundo praticando o zen, e que consequentemente será uma das melhores pessoas - talvez elevada do lodo, digamos - até os mais simples, em que os ideais do budismo passam a regular o que é "bom" ou não, a doença do zen tem um parentesco muito grande com outras doenças similares.
E, paradoxalmente, um dos melhores remédios é mais prática do zen. Eis até onde minha experiência pode roçar.
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