segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Mar de ar
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Quatro votos do bodhisattva
Verso do moppan
terça-feira, 9 de agosto de 2011
A função de um centro zen
A Função de um Centro Zen
de uma palestra de Joko Beck
Hoje eu quero falar sobre a função de um Centro Zen. De uma maneira geral, podemos dizer que é para apoiar a prática; e é claro que é verdade. Mas temos um monte de ilusões sobre Centros Zen como também temos sobre os professores. E uma coisa que tendemos a pensar é que um Centro Zen deveria ser um lugar muito agradável para mim – em outras palavras, deve ser não-ameaçador (risos). Eu acho que um bom centro deve ser bastante ameaçador às vezes! Não é função de um centro cuidar do seu conforto ou da sua vida social. Com isso não quero dizer que não devemos ter eventos sociais – eu acho que são ótimos – mas não são a principal função de um centro. A função de um Centro Zen não é prover as pessoas uma vida social. Não têm necessariamente o papel de fazê-las sentirem-se bem, e não é para fazê-las sentirem-se especiais.
Essencialmente, um centro é uma ferramenta poderosa para ajudar-nos a despertar. Como uma sangha praticando em um centro, precisamos, sim, apoiar uns aos outros, mas a natureza desse apoio pode não ser exatamente o tipo de apoio que é frequentemente visto num escritório. Você sabe, o namorado de uma moça a deixa – “ô, coitadinha! Sabe, quando o MEU namorado me deixou …. ” (Risos) e lá vamos nós! Há uma atitude de “somos todos vítimas juntos nessa” que NÃO é apoio. Quanto mais praticamos, bem, tanto menos aquele tipo de apoio falso é o que se encontra num centro bom.
Deve ser um lugar, então, que nos dá apoio, sim, mas que também nos desafia, e nesse sentido somos todos professores uns dos outros. Alguns dos ensinamentos mais poderoso em um Centro Zen nada tem a ver com o professor, às vezes o ensino vem de uma outra pessoa, vindo diretamente da experiência dessa pessoa. Para ser honesta, estar ciente do que a prática real é, e compartilhá-la com os outros – é isso que torna um centro um tipo de lugar diferente para se estar.
Infelizmente, Centros Zen tendem a ser um pouco ego-perpetuantes: nós queremos que eles sejam maiores, melhores, mais importantes que o centro do outro cara, com certeza! Há correntes de ego muito sutis que podem circular em um Centro Zen, como em qualquer outra organização se não tivermos um cuidado especial.
E algumas reflexões sobre a sangha: um ponto é crucial – quanto mais tempo as pessoas vêm praticando, menos importante deve ser o papel externo delas. E por isso eu não quero que as pessoas que vêm praticado por muito tempo presumam que elas sempre serão monitores – às vezes, sim, claro, mas quanto mais alto o aluno, mais eu quero que a sua influência seja sentida através da sua prática, e através de sua vontade de não parecer importante; e de deixar os alunos mais novos começarem a assumir algumas das posições externamente visíveis.
A marca de alunos seniores é estarem trabalhando quando ninguém sabe que eles estão lá. Eu vejo pessoas trabalhando no escritório do Centro em horários estranhos, às vezes eu estou voltando das compras e eles estão trabalhando duro. Isso é um sinal de prática madura, fazer o que deve ser feito mantendo a nossa própria importância fora disso.
Pessoalmente, eu estou tentando ir por esse caminho, minimizando a enorme importância dada ao papel do professor. E eu quero que isso se aplique a todos os alunos mais velhos. Então, se você sente que não está tendo a oportunidade de fazer o que você costuma fazer, ÓTIMO! Então você tem algo muito bom com o que praticar.
Outra marca de um bom Centro Zen é que ele nos sacode como um todo; as coisas não acontecem da maneira como gostaríamos, de acordo com as nossa fantasias. Assim, em nossa chateação, acabamos retornando à base da prática – que é, tanto quanto eu posso colocar em palavras, assumir mais e mais a posição de um observador em nossas vidas.
Com isso quero dizer que tudo em nossa vida vai continuar a ocorrer – os problemas, as dificuldades emocionais, os dias agradáveis, os altos e baixos, que são aquilo em que consiste a vida humana -, mas é a capacidade de não ser pego – de apreciar o que está acontecendo quando se é “bom”, de ter tranqüilidade quando se é “ruim” e de observar tudo isso, que é um trabalho contínuo.
A marca do amadurecimento da prática é simplesmente a capacidade, mais e mais e mais, de perceber o que está acontecendo e não ser fisgado por ele. Fácil falar, mas provavelmente 15 a 20 anos de prática rígorosa serão necessários antes que nós sejamos dessa forma uma boa parte do tempo.
E isso não é o estágio final. Quando não há nenhum objeto, nenhuma pessoa, nenhum evento, nenhuma coisa no mundo que me fisga, no qual eu esteja preso – quando não há nenhum objeto e nenhum self observando -, então há uma virada para o quê, para dar-lhe um nome, seria o estado iluminado.
Nunca conheci ninguém que eu senti que havia alcançado isto, mas algumas pessoas têm se saído bem e, se você tiver a sorte de encontrar uma pessoa assim, você sentirá a diferença que há em alguém que não é fisgado pela vida (necessitado, desejando ardentemente algo ou alguém, insistindo que a vida seja de uma certa maneira) – você perceberá que tal pessoa está em paz e livre.
Estas são as pessoas que são uma influência curativa e benéfica sobre toda a vida que está perto deles. Eles não precisam fazer nada – a cura vem da maneira como eles são. Essa transformação é o que queremos da nossa prática.Temos muita sorte de ter essa oportunidade nesta vida. Vamos aproveitá-la e fazer o nosso melhor.
- tradução: Monja Isshin e Muriel Paraboni
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Fé e crença
A distinção entre fé e crença aponta para o fato de que uma religião historicamente dada e institucionalmente formulada sempre se refere a uma convicção responsavelmente assumida e vivida. Caso contrário, religião e fé tornam-se mero costume exterior ou dever imposto. Somente em experiências conquistadas pela crença se pode confirmar a fé. Por sua vez, a crença pessoal também se refere sempre a uma fé formulada, porque, caso contrário, ela não teria um lugar histórico e social; sem uma linguagem comum ela não poderia ser comunicada e não poderia confirmar-se numa vida comunitária.
Creio que a maior analogia para se pensar esta questão de fé x crença é a linguagem. Caso você não tenha percebido antes, esta linguagem que você crê ser tão sua - afinal, é você quem a usa o tempo todo - foi transmitida e "ensinada" pelos seus pais, parentes, professores. No início, ela não tinha nada de sua. Isto, porém, não é impedimento para ela; não é por causa disto que a maldizemos e dizemos que ela é ruim por que "ela nos foi dada de forma não crítica", como uma crença. No começo, ela funciona como a crença. Cremos na linguagem de forma mágica, nos primeiros anos de vida. É preciso tempo e vida, porém, para que façamos da linguagem uma casa nossa; para que a tornemos nossa, a utilizemos da forma que nos aprouver.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Tênue Transmissão
Texto publicado no Todatsu Shinbun 5
Imagine a seguinte chamada de um jornaleco sensacionalista: “Lavador de arroz analfabeto recebe Transmissão; funcionários e monges furiosos com comportamento do abade”. Em poucas palavras, treze séculos atrás esta foi a história de Dàjiàn Huìnéng (Daikan Enō), o sexto ancestral do chan (zen) na China. Sua conclusão – incluso o belo poemeto-réplica de Enō - deixo como tarefa de casa. Adianto apenas que, para fugir dos monges enfurecidos, ele escondeu-se na casa de um caçador durantes uns bons anos, depois de ter recebido, no meio da noite densa, o manto e a tigela do velho abade, Daman Hongren (Daiman Kōnin), juntamente com um conselho: "Desde tempos antigos a transmissão do dharma é tênue como um barbante frouxo. Vá embora, rápido."
Enō viveu perto dos 80 anos, aprendeu a ler e a escrever e tornou-se um poeta e calígrafo renomadíssimo, além de um mestre zen prolífico. Algumas de suas obras sobrevivem quase intactas até os dias de hoje, e ele próprio é relembrado por nós, mesmo que brevemente, na nossa recitação das dezenas e dezenas de nomes da “Linhagem”. Sua história, com um gostinho de conto de fadas misturado com piada, é somente uma dentre várias: histórias que misturam angústia com despertar, sofrimentos e grandes alegrias, histórias de pessoas muito próximas de nós mesmos.
Tomemos Ānanda, por exemplo: o belíssimo, astuto e erudito Ānanda, o acompanhante, primo, amigo e “secretário” do Tathāgata. Acompanhando o Buddha por duas décadas como uma sombra, quem seria mais privilegiado do que ele, quem teria mais chances e oportunidades para a prática, esta prática onde amigos são tão importantes? Mesmo assim, o Tathagatha morre e Ānanda desespera-se: ele ainda não tornara-se um arhat. “Se nem um Desperto me serve de algo, devo ser um caso perdido”, imagino Ānanda ruminando, num choro agridoce a morte do amigo. Não é difícil sentir Ānanda vivo, aqui do nosso lado.
Ou então também há, como de praxe, histórias de grandes apostas; riscos desmedidos para ir atrás de algo. Numa época em que uma travessia marítima não era um cruzeiro turístico, Bodhidharma e o jovem Dōgen cruzaram mares, tanto para buscar quanto para levar o “verdadeiro dharma”. Admiramo-nos de sua coragem, ao mesmo tempo em que nos esquecemos que esta tenacidade, esta firme resolução de atravessar montanhas e mares, não é tão nossa desconhecida.
Seguem as histórias, seguem os exemplos, segue a familiaridade. Aprendemos a apreciar os “grandes feitos” dos outros a partir da nossa própria experiência. Para quem nunca pensou em sentar em zazen, as decisões e dramas de Dōgen, Bodhidharma, Ānanda e Enō podem parecer uma grande bobagem, uma grande “perda de tempo”. Se, porém, ao escutarmos uma história desta, sentimos um leve calorzinho de reconhecimento, sabemos de quem estamos falando: não estamos falando de pessoas que viveram e morreram séculos atrás, estamos falando sobre nós mesmos – como se o sangue de buddhas e ancestrais estivessem correndo nas nossas veias, esquentando os nossos pés e mãos.
Quanto mais praticamos, mais vemos a nossa fragilidade, a facilidade com que hesitamos e recuamos, os nossos pequenos passinhos de bebê. Mais apreciamos a força de vontade de algumas pessoas que fizeram grandes apostas; mais apreciamos a raridade que é encontrar um dharma que viceja verdejante. A gratidão é inevitável. Temos bons modelos onde nos fiar.
Mas não paremos por aí. Onde poderíamos ver apenas nomes esquisitos, de difícil pronúncia, amarelecidos pelo tempo, é preciso que nos enxerguemos. Todos eram pessoas como nós, nascidos de pai e mãe, bebedores de leite. De suas vidas, tirantes suas carreiras como professores e mestres, sabemos quase nada: alguns casos e crônicas e frases e ditos e escritos. O resto, “desnecessário”, perde-se - e talvez seja útil que assim o seja. Podemos encontrar nas entrelinhas, porém, as incontáveis histórias que ficaram e ficam por contar: as nossas. Não tão memoráveis, ou tão heroicas, e provavelmente fadadas à maré do esquecimento, como os nomes de nossos bisavós. Estas incontáveis vidas todas são, contudo, o solo fecundo onde se enraíza a prática, onde floresce o Despertar. Sem elas, a história de todos estes grandes homens e mulheres são folhas secas jogadas ao vento.
É preciso um esforço, o esforço da lembrança, para cimentar a memória efêmera – e não há nada mais efêmero do que uma lista de cem nomes. Efêmera e tênue é a transmissão: diz-se que, logo depois do seu Despertar, Shākyamuni ficou tentado a simplesmente permanecer em silêncio e usufruir a sua realização, a não ensinar o dharma - dharma tão sutil, tão difícil, tão sujeito a más interpretações. Foi preciso uma “intervenção divina” para que ele mudasse de ideia. O velho abade poderia ter ficado quieto. Bodhidharma podia ter ficado em casa, em vez de ir para o Leste. Que “chama” é esta que transmitiram, que segue contínua até os dias de hoje? Eu não sei dizer.
Enō foi acompanhado de noite, pelo velho abade, até estar a uma distância segura para seguir viagem. Logo antes do abraço final, entre recomendações, o velho abade fala: “Se você conseguir despertar a mente/coração de outra pessoa, esta pessoa não será nada diferente de mim.”
***
Os dados da história de Huìnéng, inclusive as falas do "velho abade", foram retiradas do Sutra da Plataforma, especialmente o primeiro capítulo, autobiográfico; tradução de Yampolsky, The Platform Sutra.
A descrição de Ānanda é do Denkōroku; o episódio da sua reação à morte do Buddha é relatada, de diversos modos, em vários sutras do cânon páli e sutras mahayana.
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Grande dúvida
Deves duvidar profundamente, sempre e sempre, perguntando a ti mesmo o que poderia ser o sujeito que está ouvindo. Não preste atenção aos vários pensamentos ilusórios e ideias que possam te ocorrer. Apenas duvide mais, e mais profundamente, concentrando em você toda a força que há dentro de ti, sem mirar em coisa alguma e sem esperar nada em adiantado, sem pretender ser desperto e sem nem mesmo pretender não pretender ser desperto; torne-se como uma criança em teu próprio peito.