Ryōkan Daigu é uma das figurinhas mais lendárias e simpáticas do zen japonês; uma espécie de eremita e errante, um tanto avesso à vida sacerdotal, vivendo em sua cabaninha de telhado de palha. Nome de monge bem dado ("grande tolo com um bom coração"): Ryōkan gostava de tomar umas biritinhas com os camponeses da vizinhança, ou então sozinho, escrevendo poemas em sua cabana - pelos quais ficou conhecido, mais tarde. Também gostava de brincar com a criançada, e conta-se que muitas vezes esquecia de fazer a sua ronda de esmolas, de tão entretido que estava - e ficava sem comer. Seu professor realmente soube escolher um nome-do-dharma à altura.
Estes são os "59 itens que Ryōkan compilou para ter o comportamento à altura de um monge budista, lembrando, como mestre Chao-chou dizia, o budismo não é o que a pessoa prega ou fala, mas o que faz. É notável que a maioria de suas auto-impostas advertências estão ligadas ao ato de falar [....]"
"Tomar cuidado para:
- não falar demais;
- não falar rápido demais;
- não falar sem alguém perguntar;
- não falar gratuitamente;
- não falar com as mãos;
- não falar sobre assuntos mundanos;
- não retorquir rudemente;
- não discutir;
- não sorrir condescendentemente às palavras de outros;
- não usar expressões chinesas elegantes;
- não se vangloriar;
- evitar falar diretamente;
- não falar com ar de quem sabe tude;
- não pular de um tópico para outro;
- não usar palavras enfeitadas ou pomposas;
- não falar de eventos passados que não podem ser alterados;
- não falar como um pedante;
- evitar perguntas diretas;
- não falar mal dos outros;
- não falar grandiloquentemente da iluminação;
- não fazer bagunça quando bêbado;
- não falar de forma desprezível;
- não gritar com crianças;
- não tecer histórias fantásticas;
- não falar quando zangado;
- não deixar subentender nomes importantes;
- não ignorar as pessoas a quem você está se dirigindo;
- não falar santimonialmente dos deuses ou dos budas;
- não usar discurso adocicado;
- não usar discurso adulador;
- não falar de coisas das quais você não tem conhecimento;
- não monopolizar a conversa;
- não falar de outros pelas costas deles;
- não falar convencidamente;
- não denegrir os outros;
- não cantar rezas ostensivamente;
- não reclamar da quantidade da doação;
- não dar sermões muito eloquentes;
- não falar afetadamente como um artista;
- não falar afetadamente como um mestre do chá;
- oferecer incenso e flores para os budas;
- plantar árvores e flores, limpar e aguar o jardim;
- regularmente usar moxa para as pernas;
- evitar peixes oleosos;
- selecionar comidas leves e evitar comidas gordurosas;
- não dormir demais;
- não comer demais;
- não dar uma cochilada muito longa à tarde;
- não ficar exausto;
- não ser negligente;
- não falar quando você não tiver nada a dizer;
- não esconder nada em seu coração;
- sempre beber o saquê quente;
- raspar sua cabeça;
- aparar as unhas;
- escovar os dentes e usar um palito de dentes;
- tomar banho;
- manter sua voz clara e nítida."
"[....] Mestre Ryōkan estava sempre esquecendo as coisas. Um número de cartas a seus amigos sobreviveu, cheia de desenhos de objetos que ele havia esquecido em algum lugar e lhes perguntando se eles haviam visto os objetos em questão. Às vezes ele mendigava na mesma casa, duas vezes no mesmo dia, tendo esquecido sua visita anterior e era repreendido pela dona da casa por ser cobiçoso. Aqui está uma outra lista que ele fez:
Coisas para levar com você: chapéu de algodão, toalha, tecido, papel, leque, moedas, bolinhas de gude e bolas de jogar.
Necessidades: chapéu de bambu, material para a perna (como uma meia), luvas, cinto, bastão, manto pequeno.
Para peregrinações: roupas, capa de chuva de palha, tigela, saco.
Lembrete: tenha certeza de ler isto antes de sair ou você vai ficar em apuros!"
entre aspas: da revista Flor do Vazio, ano 7 vol. 1, verão de 2003; pg. 72