terça-feira, 20 de outubro de 2009

É preciso um esforcinho

Sesshin (fotos aqui) serve, além de servir para nada, para nos forçar a fazer as coisas de uma maneira que, sem um empurrãozinho, é muito difícil fazer cotidianamente.

O zazen é o exemplo paradigmático, então vamos escolher outro: o oryoki. O oryoki - ato de comer com - é maravilhoso, mas embora o seja, quando é comemos desta forma, simplesmente comendo? O hábito, o cotidiano e a rotina acabam por nos fazer comer já pensando em qualquer outra coisa a ser feita: é muito difícil, mesmo para aqueles que conseguem fazê-lo em outra situação (como o sesshin), fazer isto no meio de um dia qualquer. É preciso um esforcinho.

"Meditando na cozinha", para tomar como exemplo um livro da Sonia: eu mesmo, que adoro cozinhar, me vejo fazendo as coisas de uma forma mais apressada, cheio de atalhos e retalhos mal-feitos, somente para economizar uns minutinhos para voltar para o computador ou qualquer outra coisa. Não admira que acabem entrando nos meus pratos pequenas pedrinhas e areia, de vez em quando.

O "simplesmente fazer", tão glorificado pelos praticantes zen, serve para dar relato verbal desta situação de fazer - ou simplesmente deixar ser feito - o que está acontecendo. Não é uma cabeça vazia ou oca, ou um estado de obediência cega, ou um torpor hipnótico (e, se for, como muitos críticos do zen at war dão a entender, estou fora e deixo para outros). Cortar a salsinha para jogar em cima do arroz recém-cozido: há o movimento da faca e a salsinha. Como haveríamos de cortar uma salsinha sequer, se pensamos que simplesmente cortar uma salsinha é "deixar-se levar"? A faca corta sozinha? Seus dedos cortam a salsinha? A salsinha já está cortada? Caso sim, nenhuma necessidade de cortar salsinha, vamos comer!

Se, contudo, aceitamos que simplesmente cortar a salsinha não é estar avoado, como quase sempre estamos, mas achamos que PRESTAR ATENÇÃO é PRESTAR ATENÇÃO obsessivamente nos mais minúsculos detalhes da ação em questão, incluindo todos os fatores envolvidos, e que a falha neste prestar atenção não é PRESTAR ATENÇÃO, e que as folhinhas de salsinha devem ser cortadas EXATAMENTE de uma determinada forma e EXATAMENTE de um determinado jeito...

Creio que todos nós entendemos isto. Então, vamos comer! (A lentilha do meio, minha nossassora!, foi servida DUAS - 2! - vezes, para felicidade geral.)

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