Parece-me que Brad Warner entrou - ou sempre entra - em uma briga, mas a briga é das boas e vale a pena.
Você, leitor, realmente acha que um praticante zen é uma pessoa que nunca se irrita, que nunca deveria ficar irritado? Esta é uma visão extremamente irritante. Se você acha, porém, você está com toda a razão - e também completamente enganado.
Com toda a razão está você, pois para que irritar-se se Bodhidharma diz que a "auto-natureza ('natureza original') é sutil e misteriosa, e no reino do Dharma-sem-self não tomar a realidade pelo self é chamado de 'preceito de não se entregar à raiva'", e Dogen belamente complementa: "não avançando, não recuando, não real, não vazio; há um oceano de nuvens brilhantes, há um oceano de nuvens solenes."
É claro: irritou-se, zifio? está com raiva? aquela de rilhar os dentes? Simplesmente fique com raiva, de preferência em zazen. Não aja com base na raiva, pois agir com base na raiva leva, na maioria das vezes, a uns atos que - bem sabemos - nos arrependemos na maior parte das vezes - e muitas vezes nos arrependemos muito tarde, e tarde demais.
Simplesmente sentar-se com a raiva, ou simplesmente ficar com raiva, é difícil, como o zazen também pode ser difícil. Mas é útil, pois a raiva é construída, feita de partes, com uma história, "condicionada", e assim como aparece também desaparece, dadas as circunstâncias.
Esta seria uma "meditação" sobre a raiva, um olhar sobre ela, um vivenciá-la plenamente. É útil. Nisto você tem toda a razão: irritar-se, para quê?
Agora você está completamente enganado ao pensar que um praticante zen não deveria sentir raiva, ou ficar irritado. E isto, repito, é muito irritante: é a velha visão - uma mal-leitura, se me permitem dizê-lo - de que o zen, além de ser aquela coisa cool e relax, é o extirpar todas as coisas "mundanas", todos os sentimentos "egóicos" e "mesquinhos". No final das contas, se levarmos esta leitura a sério, o zen - e o budismo - seria um método de extirpar e extinguir todas as sensações, percepções e sentimentos tipicamente humanos, pois todos eles são mundanos e mesquinhos, em potencial. E se o budismo diz isso e eu que não entendo, então estou fora do barquinho; esta margem eu deixo para os virtuosos.
(Quem nunca viu uma bondade "mesquinha"? Eu já.)
Afinal de contas, a nossa vida é isto, e temos de aprender e saber fazer com o punhado que nos cabe. A raiva, o amor, a desesperança e a fortuna são o nosso maravilhoso e terrível quinhão: todos eles não são eternos. Temos de aprender e saber agora, não amanhã e muito menos ontem. E talvez chegue o momento em que nos demos conta que, se tomarmos isso como sendo "eu", teremos problemas, e então entenderemos na medula dos ossos o que é uma visão "não-egóica" - o que não é uma compreensão intelectual, para desespero deste blogueiro.
Mas se dissermos que o eu é a raiva - ou o amor, ou a desesperança, ou a irritação - e que o eu deve ser extirpado e extinto, consequentemente concluímos que a raiva - e a desesperança, o amor, ou a irritação - devem ser extirpados e extintos, e isso é a maior burrice que eu já escutei. Subversão completa das palavras do Buda, que simplesmente dizia: olhem para a raiva. Ela aparece, é condicionada, está sujeita a desaparecer, e é causa de dukkha por isto. Ela é eu ou não-eu? "Ela é não-eu, Honrado pelo Mundo", etc.
Como é que se pode "extirpar" e "extiguir" algo que no final das contas é vazio de existência própria?
Teria mais a dizer sobre o que considero "subversão", mas não é preciso. Além do mais, minhas mãos finas estão congelando sobre o teclado. O gato está cochilando em cima da tela do computador (que nessas horas felizmente não é LCD), para aproveitar o calorzinho.
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