Imagino que tenha sido há muito tempo. Quando digo muito tempo, digo muito tempo, antes da adolescência, antes da puberdade. Talvez eu nunca tenha ouvido falar sobre Buda e budismo.
Desde cedo tive um interesse um tanto descabido por questões “místicas” e afins. Quando digo “místico” não estou me referindo a todo o blábláblá “nova era” e tal. Místico, no sentido lato da palavra: sobre o que se deve calar, pois não se pode – consegue - dizer, o “pfai inepfávell”.
Fiz catequese muito pequeno, durante dois anos. Lembro-me de algumas coisas, principalmente da catequista severa, mas amorosa; lembro-me de desde então sequer chegar a discutir os milagres bíblicos e outros afins, pois desde então achava os milagres bíblicos, a morte de Jesus e o Javé do antigo testamento uma história, como qualquer outra. Nunca me surpreendi com eles. Nunca senti assombro. Nunca compreendi.
Sentia assombro no final das tardes, no quintal de casa, quando eu via os morcegos e pássaros voando entre os pés de abacate e grumixama. Isto era muito, mas muito mais “assombroso” e real do que qualquer milagre forçado. Se “milagre” era qualquer coisa besta que saia da ordem real das coisas – transformar água em vinho, arbustos queimando – D’us é, no final das contas, um fantoche como outro qualquer, que precisa de prestidigitação para se fazer acreditar como criador do universo. E desse tipo de deus o inferno está cheio.
Não deixa de ser interessante que atualmente as leituras que mais fascinam (Harold Bloom, Jesus e Javé, e Jack Miles, Deus: uma biografia) lidam com Deus como um personagem, contraditório: uma mistura fascinante de contradição humana, de raiva e inocência divinas, falta de autoconhecimento, comiseração e piedade. É por esse Deus que aparece no livro de Jó que me sinto atraído, um D’us que se auto-exila: não por uma energia superior impessoal que cria e comanda o universo, uma razão cósmica, uma espécie de tao ocidental, mas sim por uma figura, uma personagem, um interlocutor que marcou o modo como pensamos e nos vemos a nós mesmos.
Fiz a crisma, que consistiu em um ano de esforços quase milagrosos da catequista para juntar uma dúzia de jovens uma vez por semana, com salgadinhos e refrigerantes. No dia da crisma até senti algo interessante, que no final das contas não passou de autosugestão sobre a descida do Espírito Santo. Tinha somente 15 anos. Quisera eu que ele realmente tivesse descido e eu fosse banhado com os dons do ES, principalmente o das línguas. Ia facilitar muito o meu estudo do grego.
Foi um contraste vívido com o dia em que tomei os votos no zen, um ano e meio atrás: depois de um sesshin de sete dias, depois de ver um amigo ter um colapso, estava febril, com rash cutâneo e com muito frio. Pediram-me para tirar a jaqueta “civil” que eu usava. Recusei, não queria ficar tremendo. Era de madrugada e o que eu mais queria era terminar e ir embora, deitar (quando eu pude realmente descansar tive uma febre forte durante 3 horas, que passou tão rápido como começou). Sanpai, sanpai, sanpai, e o “yes” soou forte e não consigo esquecer o olhar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário